segunda-feira, 31 de março de 2008

LITURGIA EM MUTIRÃO II - EDUCAR PARA A RITUALIDADE

Ione Buyst

Toda a vida do ser humano é fortemente marcada por ritos. São ações simbólicas que expressam o sentido da vida. Há ritos para os momentos marcantes da vida: o nascimento, a passagem para a adolescência, o casamento, um aniversário, a doença, a morte... E estes ritos são diferentes de acordo com cada grupo humano ou cada cultura, porque expressam a maneira daquele grupo ou daquela cultura entender a vida, o mundo, a morte... Os ritos servem também para passar este sentido para as novas gerações, garantindo a continuidade. Assim, cada cultura tem suas regras para comer, cumprimentar, se vestir. Cada povo indígena tem sua maneira de caçar, iniciar, dançar, enterrar seus mortos. Cada região do país conserva ritos característicos próprios. Cada time de futebol tem sua bandeira, sua camisa, seus slogans. Cada tradição religiosa tem suas rezas, suas músicas, suas danças que expressam seu senso do sagrado. Também nós, cristãos, temos ritos para expressar nossa fé, nossa relação com o sagrada, com Deus.
Normalmente, as novas gerações recebem a tradição ritual dos ‘velhos’, ‘anciãos e anciãs’, da geração anterior. O problema é que séculos de racionalismo e tecnicismo ‘vacinaram’ contra os símbolos, os mitos e os ritos, por considerá-los ultrapassados, não ‘científicos’. E agora, são poucas as pessoas capazes de realizar e ‘curtir’ um rito, sentir prazer, vivê-lo em profundidade, deixando-se atingir por inteiro. Sobrou um frio ritualismo: liturgias realizadas de modo formal, sem alma, sem coração, sem prazer e até sem entendimento. Daí a necessidade de reaprender, de educar para a ‘ritualidade’ da liturgia, para a capacidade de viver as ações rituais ‘na inteireza do ser’.
Podemos aprender com quem não perdeu ou recuperou a sensibilidade ritual: povos indígenas, grupos de afro-descendentes, devotos da religião popular e até com atitudes espontâneas da vida cotidiana. Um dia observei uma mãe que estava com o filho bem pequeno no braço, diante do crucifixo. Ela apontou o dedo para o crucifixo e disse: ‘Olhe aí! É Jesus!’. A criança olhou, espichou o bracinho, e a mãe se aproximou mais para que ele pudesse tocar na cruz. Depois ela disse: ‘Jesus gosta muito de você, gosta da mamãe, gosta de papai... Jogue um beijinho para Jesus.’ Neste quadro tão familiar, tão simples, encontramos os três ‘ingredientes’ que compõem a receita da formação para a ritualidade: fazer um gesto para alguém, saber o que significa, ser movido/a por um afeto.
Em casa, na catequese, nos encontros e cursos de formação litúrgica, devemos oferecer momentos de aprendizagem, simples e profundos, dos gestos rituais com os quais nos relacionamos com Deus, consciente- e ‘amorosamente’: entrar na igreja, inclinar-se diante do altar, acender uma vela, benzer-se, cruzar as mãos em prece, andar em procissão, cantar, escutar uma leitura bíblica, ficar de pé, beijar a Bíblia, ficar sentado, orar em silêncio, fazer uma prece, acompanhar a oração eucarística, partilhar um pedaço de pão, comer o pão, estender a mão para receber o copo, beber e passar o copo para outra pessoa, abraçar alguém desejando-lhe a paz, inclinar a cabeça para receber a bênção, despedir-se...
Perguntas para reflexão pessoal e em grupos:
1- Qual o rito litúrgico que você mais gosta? Por que?
2- Nas liturgias de sua comunidade, o que predomina: o ritualismo ou a ritualidade?

CNBB

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